sexta-feira, 20 de julho de 2012

Exit Humanity – Os zumbis nem são o ponto alto

“Vários surtos de mortos retornando à vida foram relatados nos EUA. Uma catástrofe tão indescritível que o futuro da humanidade está ameaçado. No meio do alvoroço, um velho diário apareceu, com relatos pessoais em meio aos mortos vivos do século 19. Um diário que pode fornecer respostas a essa praga sombria que ameaça a humanidade.”





Como se a Guerra Civil não fosse depressiva o bastante, o escritor/diretor John Geddes decidiu que estes infelizes personagens precisariam, também, se preocupar com uma epidemia zumbi. Desse modo surgiu o conceito para Exit Humanity – e que ótima surpresa! -, diferente de tudo o que você já viu.



Sou suspeito para avaliar um filme de zumbis, uma vez que lancei um livro sobre zumbis no Brasil (momento merchan), sou fã de Romero e Resident Evil, aficionado por The Walking Dead... Quase um necrófilo! Enquanto as críticas sobre alguns filmes são massivas, bastante violentas, prefiro analisar o contexto ou, quando não há o bastante para analisar, apenas me divirto com o que há de melhor no gênero. Por exemplo, achei Diário dos Mortos (2007) um dos melhores e mais bem contados filmes de Romero. Consegui até me divertir com as pérolas de Uwe Boll, House of the Dead 1 e 2. Concordo que foram péssimos, e talvez esse tenha sido o tempero para que eu os assistisse diversas vezes.


Conheço praticamente todos os filmes de mortos-vivos, vivos que parecem mortos, vivos infectados, e por aí vai. Desde títulos sérios como Despertar dos Mortos (1978), cômicos como Todo Mundo Quase Morto (2004), dispensáveis como o já citado House of the Dead, carregados de ação como a franquia Resident Evil, ou sem ação nenhuma como The Dead (2010). Mesmo acreditando saber o que funciona em filmes assim, sempre há algo novo, como o frescor que há em Exit Humanity.


Exibido em 2011 no Toronto After Dark, Exit Humanity é dividido em capítulos, utiliza técnicas de animação (simples, mas eficazes) e conta até com seu próprio narrador. Vamos por partes.




A narrativa é dividida em capítulos que introduzem novos elementos à trama, como se estivéssemos lendo um livro. Cada um dos capítulos é acompanhado por uma ilustração do que vem por aí. Com os nomes dos capítulos ou mesmo através dos desenhos entra a falta de suspense, o que poderia ser considerada uma falha se o filme fosse taxado como terror, o que não é. Está mais para um drama, sem alívios cômicos ou sustos fáceis. Exceto por uma cena que me fez pular da cama, não há zumbis aparecendo do nada acompanhados por música alta. Podemos vê-los vagando pelas florestas frias de um Tenesse de 1871 em busca de refeição.



A maquiagem dos zumbis é bem satisfatória, embora não seja a prova d’água (!). Lentos e incapazes de dizer algo além de mmhhhhmmhnhmnhhmr (não dizendo “cérebrooo” já está ótimo!), convencem e causam calafrios. Estão mais para Zombie-2-versão-mais-podre do que, digamos, The Walking Dead com suas cores fortes e órgãos à mostra. Nada exagerado, mas na medida certa. Os olhos são preenchidos pelo negro de uma escuridão eterna em busca de aplacar a fome insaciável, os dentes entreabertos prestes para arrancar um naco do primeiro infeliz que aparecer, seja ele homem ou animal. A pele esbranquiçada, remetendo a cadáveres verdadeiros, é mais convincente do que os zumbis super bronzeados de TWD, embora o elemento visual da série da AMC seja deslumbrante. Por outro lado, o cinza que utilizaram em alguns deles estava cinza demais. Podia ter sido mais bem dosado e não correriam o risco de parecerem figurantes aproveitados de zombie movies antigos. A maioria deles é crível, com maquiagem detalhada. Há abundância em sangue e feridas para satisfazer os amantes de gore, uma vez que este seja quase nulo. Ignorando os míseros detalhes negativos, os zumbis funcionaram muito bem.




A trilha sonora encaixa bem na proposta e combina com a atmosfera lúgubre e a fotografia marcante, dando o tom certo ao filme, remetendo à solidão em uma terra de ninguém. Percebe-se um capricho grande por parte dos envolvidos, desde o figurino e maquiagem até a direção e atuação. Tudo está nos conformes.

A filmagem em si é muito profissional. Descobri em pesquisas que Geddes e a equipe filmaram algumas cenas no início da madrugada e outras ao pôr do sol apenas para obter o visual desejado – e alcançado. A edição se encarregou do “branqueamento” das imagens para criar uma estética que tanto dá um ar de autenticidade ao período do filme, e do tempo que espelha a alma sombria do protagonista. Cada encontro natural disponível foi aproveitado ao máximo, incluindo pântanos, riachos, cachoeiras e pores do sol.


Além disso, a animação que é utilizada ao longo do filme aconteceu por restrições orçamentárias; no entanto, revelou-se um dispositivo de narrativa interessante e eficaz. O que será notado logo de cara em Exit Humanity é o visual. A atenção de Geddes aos detalhes e sua paixão pela estória são evidentes em cada cena.




Se a sensação de “já ouvi essa voz” tomar conta de você quando o narrador der as caras... quer dizer, as bocas, saiba que não foi o único. Vencedor do Emmy, Brian Cox já emprestou sua voz para games e televisão, estando entre seus projetos os jogos Syndicate e Killzone 3, e filmes como Planeta dos Macacos - A Origem (2011), O Chamado (2002), ou mais conhecido por seu papel em X-Men 2, como William Stryker. No mesmo patamar de Morgan Freeman em relação à narração, temos uma narração fascinante por Brian Cox, que suporta as partes de animação do filme - incontestavelmente um dos pontos altos do filme. Brian conduz os acontecimentos representando a voz de um velho Edward Young enquanto o próprio (Mark Gibson em uma interpretação pra lá de convincente) relata sua desventura em palavras e desenhos em um diário.


Começamos no Prólogo – A Guerra, que narra como os zumbis surgiram no fim da Guerra Civil Americana. Edward Young está lutando contra vivos quando tem seu primeiro contato com um dos mortos ambulantes. Seis anos depois, retorna para sua humilde casa apenas para descobrir a esposa zumbificada e o filho desaparecido. Dando fim ao sofrimento da amada, Edward parte em busca do rebento sem perder a esperança de encontra-lo, a única luz em um mundo vermelho-escuro de sangue. Logo seu chão some: o pequeno Adam não teve sorte. Encarando o filho sem vida, mas ainda assim com os olhos abertos, Edward inicia sua verdadeira e última missão, a de levar as cinzas do menino para uma cachoeira que ele queria conhecer, e que costumava ser o refúgio de Edward em meio à guerra.


A carga dramática do primeiro capítulo, mostrando a involução de um homem completo a alguém que não possui mais nada, é tocante. Mark Gibson fez um excelente trabalho de canalização do peso da perda e desamparo que deve se sentir em tal situação, enquanto sustenta um fragmento de esperança. Minha única crítica seria a mania de Edward em gritar a todo momento. Não seria um erro do ator, necessariamente, mas do diretor, acredito. Em alguns momentos, só de olhar pra cara dele eu sabia o que vinha. Já abria a boca e o acompanhava no AAAAAAHHHHHHHHHHHH! De resto, é de longe a melhor atuação do filme.




O elenco de apoio também fez a lição de casa direitinho. Pudera! Acompanhando Edward ou tentando atrapalhar sua jornada estão Isaac (vivido por Adam Seybold), em uma interpretação consistente e que é o mais próximo de alívio cômico em Exit Humanity; Eve (Dee Wallace, a estrela de E.T, Critters e Cujo), esbanjando talento mais uma vez ao dar vida a uma velha triste e solitária, porém com uma ótima razão para isso; e o vilão General Williams (Bill Moseley), vivendo um homem que tenta alcançar o bem por meios corrompidos, entre outros. Em uma frase dita por Edward, e que já ouvi em minha cabeça ao assistir outros do gênero, “Prefiro viver entre os mortos-vivos que viver entre homens como você”. É isso o que o General representa, e não digo mais nada. Não chega a ser um Governador, mas se tivesse mais tempo o seria, sem dúvida.


Em certo momento conclui que não explicariam a origem da epidemia. Nem seria necessário. Em 98% dos casos, o mais interessante é ver como as pessoas lidam com o problema, e não como ele surgiu. Porém, lá pelas tantas, o segredo vem à tona. Se fosse ambientado nos dias atuais, eu torceria o nariz. Ponderei a época retratada, as crenças e a cultura daquele tempo, e então consegui acreditar na explicação. Como o filme transmite um tom de conto, talvez pelas cores, música ou narrativa, resolvi aceitar e curtir os muitos minutos que ainda restavam (são quase 2 horas de filme).




Quando analiso algo, seja um livro ou filme, procuro enxergar os pontos positivos, como podem ver neste texto. É tão mais fácil falar mal do que se esforçar para ver algo bom. No entanto, não sou cego e sei que os erros existem. Infelizmente, Exit Humanity tem um certo bloqueio que o impede de ser tão bom quanto deveria ter sido. Para começar, foi projetado como um drama e não um filme de terror, o que não é um problema de todo, exceto que o espectador se verá perguntando se os zumbis são mesmo necessários para a estória. Um tipo diferente de doença infecciosa poderia facilmente ter tomado o lugar dos mortos-vivos. Claro, os zumbis podem ter sido utilizados porque parecia uma boa ideia, porém, ideias geniais têm o seu lugar, geralmente em filmes muito menos sérios. O enredo de um drama precisa ser mais intrincado do que isso para ser eficaz. Não que a estória seja boba, mas não atinge tanta profundidade. Contudo, uma estória complicada e merecedora do Oscar não foi o que John Geddes quis. Para ser sincero, o terror dos zumbis é apenas um elemento de fundo, seja aqui ou em outros filmes. A verdadeira estória é o relacionamento entre personagens e sua interação em um mundo novo, sem regras, sem certo, sem errado.



Buracos há como em qualquer outro, mas nada que comprometa, e podem até passar despercebidos. Um detalhe que me chamou atenção, porém, foi um erro do Narrador logo no começo do filme, quando ele diz “Meu nome é Malcolm Young. Eu possuo um diário secreto, repassado por gerações de minha família, datado da Guerra Civil Americana”. Mais a frente, com a mesma voz, diz “Se você está lendo este diário, então meu desejo foi cumprido. Meu nome é Edward Young”. Entende-se que o diário sobreviveu às décadas e chegou às mãos de um parente chamado Malcolm, e depois Edward começaria seu relato, mas o problema é a voz. É a mesma. Enfim... Vivemos de erros e acertos, não é?




Além disso, e deixando minha paixão aos zumbis de lado, o filme talvez tenha se arrastado um pouco demais. Não estou certo de que há conteúdo suficiente para manter um público entretido durante as duas horas, onde muitos não são adoradores o bastante para empurrá-lo com a barriga apenas pelos mortos-vivos.


Temos aqui, por fim, um relato de uma era de horrores indizíveis, um conto ambicioso que consegue muito com tão pouco. No entanto, não é para todos. Suspeito que os mais jovens (me sinto um velho falando assim) ficarão um tanto quanto desapontados diante do ritmo mais “relaxado” em comparação ao tipo mais descontraído do morto-vivo/infectado de costume. Além disso, os breves intervalos de animação que não se encaixam com a impressão da maioria dos filmes de terror convencionais podem incomodar. Minha opinião é que Exit Humanity ousa em ser diferente e o faz incrivelmente bem.


Sem se apressar em sua conclusão, todo o caminho exibindo tiros tranquilos e a câmera remanescente na paisagem, Geddes confiou em seu instinto e trouxe, no tempo certo, uma experiência única de múltiplas camadas para o gênero, flertando fortemente com a sensibilidade.




Não concordo que mereça a nota baixa/mediana que recebeu no IMDB (5.1/10), diante de tanta coisa positiva. Não se parece em nada com o trabalho de um cineasta relativamente novo. Geddes fez muitos acertos e manteve o ritmo até sua conclusão. Ele quis contar uma boa estória, e o fez. Não tenho dúvida de que Exit Humanity encontrará sua audiência. Se você curte se sentir imerso em mundos tristes e implacáveis, então confira. Nesse meio tempo, vou aguardar ansioso pelos próximos trabalhos de John Geddes. Exit Humanity é não apenas um filme tremendamente poderoso, mas simplesmente um filme que é tornado ainda mais impressionante quando somamos ao fato de ser uma produção independente.



Ele será sempre classificado como um filme de terror zumbi, e de certo modo o é; mas é também muito mais. É um filme sobre a solidez do espírito humano, como um mundo desesperado e condenado vai extrair a verdadeira natureza de um homem, e como é possível encontrar a esperança e uma razão para continuar vivendo diante do mais negro desespero.


Geddes, com o apoio do seu elenco e equipe, alcançou algo especial com Exit Humanity, um projeto que todos os envolvidos irão se orgulhar de ter em seus currículos. Sua intenção pode ter sido a de fazer um filme, mas eles criaram cinema.



Fonte: Terra Morta - por Tiago Toy

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